Um rapaz e uma rapariga. Dois futuros intercalados pelo destino. Ambos caminham numa fina linha. Ambos caminhando na esperança de ela nunca se quebrar. Um vazio. Um completo.
Um pedaço de um memória vem à cabeça do rapaz, chamado John, e nele ele vê algo que sabia mas não vivia. Um passado longínquo. Uma vida diferente. Relembra-se de vê-la numa noite escura, no precipício de um abismo onde contemplava a grande vastidão do vazio e o enorme silêncio da obscuridade. Pensava atirar-se de lá mas não se lembrava do porque. Acordou na sala com a professora e todos os seus colegas a olharem-no. Rapidamente chegou à conclusão de que tinha adormecido. Tirou os auriculares dos ouvidos e entregou o telemóvel à professora. Ele não sabia mas pressentia que dentro daquela sala estava a peça de um puzzle inacabado do qual ele tentava concluir. Tocou para a saída e logo ele se dirigiu para a professora, pediu-lhe desculpa e perguntou se podia ter de volta o que lhe pertencia por direito. A professora sorriu e deu-lhe o telemóvel, dizendo de que para a próxima vez ficava com ele. De seguida, John, apreçou-se para chegar a casa mas,pelo caminho, encontrou alguém encostado a uma árvore. Olhou para esse alguém e um aperto no coração chegou. Era uma rapariga da sua turma, chamava-se Scarlet, era uma rapariga tímida por isso todas o contacto existente entre os dois não passou de um olá e de um adeus. Adicionando ao facto de Scarlet ser tímida, também o era John. Observou-a por mais um pouco e de seguida continuou a caminhar para casa.
Deitando-se agora na sua cama ouvindo Radiohead, John, cerrou os olhos e viu na escuridão da sua mente uma imagem. Viu a cara de Scarlet. Abriu os olhos e pensou para ele mesmo - "Porque é que estou a pensar nela?". Chegando a nenhuma resposta John cerrou de novo os olhos e adormeceu.
No dia seguinte John decidiu não ir às aulas. Era uma quarta por isso faltar só significava perder matéria das aulas da manhã, para além de mais era Português. Acordou ao meio dia, tomou um duche e fez o seu almoço e o do seu pai. Durante a refeição John e o seu pai não trocaram nenhuma palavra. John sabia que o pai tinha andado a beber pois o cheiro do álcool chegava-lhe às narinas de uma distância longa. Apôs terminar a sua refeição saiu de casa e caminhou sem destino. Acabou por parar à beira do rio que passava pela sua cidade. Pegou numas pedras e começou a atira-las ao lago. Matando o tempo sem nada para fazer. Ao atirar pedras reparou que, no outro lado do rio, estava sentada Scarlet a ler um livro. Parecia estar no seu mundo. Livre de complicações. De repente Scarlet, atraída pelo som das pedras ao baterem e saltarem na água do rio, olhou para o outro lado e nele viu John. Um olhar cruzou-se e um acenar nasceu da parte de Scarlet, acompanhado por um sorriso um pouco duvidoso. John fingiu não ter visto e foi-se embora, dirigindo-se agora para o cemitério mais próximo da sua casa. Foi comprar flores. Margaridas e rosas. Ao chegar à entrada olhou para o chão, deixou cair as flores e começou a correr de novo para o rio à espera de encontra-la lá de novo. Lá chegou e lá ficou. Sem ver a razão pela qual foi para lá. O seu olhar, mais vazio que nunca, escondia algo que o atormentava à alguns anos. Pelo seu triste olhar caiu uma lágrima que ele rapidamente limpou.
Sendo agora 23:00 horas, John, chegou a casa. Viu o seu pai encostado à parede com uma garrafa inacabada de whisky. Tirou-lhe a garrafa e jogou-a para o lixo. Lavou a louça e foi para a cama.
A caminho da escola no dia seguinte, na esquina de uma rua, chocou contra algo ou alguém. Sentiu algo no peito e ouviu uma série de objectos a cair. Abananado olhou para o chão e lá a viu. A rapariga que ele tentava ignorar. Agarrou-lhe nos livros e ajudou-a a subir. Os dois ambos envergonhados pediram desculpa. Scarlet disse que a culpa tinha sido dela e que ela era distraída. John respondeu -"Não digas disparates, a culpa também foi minha ". Scarlet corou e no calor do momento perguntou se o podia acompanhar até à escola. Foram o caminho toda sem dizer nada e ocasionalmente surgia uma troca de olhares entre os dois, acompanhado por um sorriso de Scarlet e um desviar de olhar da parte de John. Não era que não quisesse, simplesmente não conseguia. Nela via algo que apenas no passado vivia.
Chegaram à sala de aula sentaram-se e por ali ficaram. Até que, uns minutos antes da aula terminar a professora entregou os testes. Ao entregar a nota a John, um 9 em 20, perguntou-lhe -"Se isto continuar vou ter que falar com os teus pais, estou muito preocupado contigo. Como é que eles não fazem nada em relação a isto?". John pegou no teste e saiu da sala a correr, seguido pela professora até à entrada onde a professora gritou -"John, desculpa!". A turma não percebeu o acontecido. Scarlet pressentia algo de mau. Ficou triste por John. Ficou triste por não perceber o motivo de John não falar com ela. Para ela eram os dois iguais. Tímidos, fechados e ambos com segredos.
John fugira outra vez para a berma do rio, que era preenchida por relva. Deitou-se nela e ficou por lá até o escurecer e a luar aparecer. Ao fechar os olhos viu um flashback de algo que julgava já se ter esquecido. Sentiu algo no braço e assustado levantou-se e gritou. Era Scarlet. Scarlet ficou assustada pois John estava suado e com um olhar apavorador. Sem se aperceberem aquele rio tornou-se no ponto de encontro destas duas almas desencontradas mas, ligadas uma à outra. John perguntou o porque de ela estar ali e o porque de lhe ter tocado no braço. Scarlet respondeu que, estava preocupada com ele pois achava-o triste. Disse que se precisasse podia falar com ela. John queria falar com ela, pois não lhe restava mais ninguém com quem desabafar. John disse-lhe que precisava apenas de dormir mas agradeceu a preocupação. Virou costas e começou a caminhar para casa quando de repente Scarlet gritou do fundo da rua - "Não estas sozinho John!". John olhou para trás para ver tudo aquilo que desejava ver. Scarlet acenava-lhe, com um sorriso de orelha a orelha. Desta vez, John acenou de volta. Não se riu por fora. Mas sentiu algo parecido a cocegas no seu estômago.
Ao chegar a casa John sentiu uma grande dor no peito e ficou mal disposto. Como se sentisse que algo de errado se estava a passar, John abriu a porta de casa. Frisou. Seus olhos começaram a tremer e as suas pernas e os seus braços a abanar. Deu gritos de agonia. Derramou lágrimas de fúria e tristeza. "Como posso eu não estar sozinho quando tudo o que me é querido acaba por desaparecer", pensou John. Ajoelhou-se e ficou tumulto. Os vizinhos foram ver o que se passava em sua casa, que ainda tinha a porta aperta e o caos instalou-se. Ambulâncias e carros da polícia rapidamente chegaram à casa do rapaz. Ele tinha apenas 12 anos.
Após este incidente John foi obrigado a ir viver com os seus avós maternos, deixando para trás tudo o que podia ter sido, mas não foi.
...
Sem comentários:
Enviar um comentário