terça-feira, 1 de abril de 2025

    ninguém, nem nada, pode entender a amargura que sinto ao verter água, doce, pelos olhos que já nada veem para além de ódio. talvez o mundo tenha feito de mim um ser insensível. tornei-me no monstro que me visitava em pesadelos. fiz de mim sombra sem corpo. encontro conforto no ruído permanente. não porque sempre assim o foi mas pois não encontrei outra forma de sobreviver sem que assim o fosse.  o convívio diário com a dor física contribuiu para que me habituasse, também, a ignorar as manifestações do meu corpo. entre sentir, o que sentia, ou não sentir nada, escolhi não sentir. se triste sou na minha inércia e apatia, então que assim o seja até que morra. se conseguisse ver o que senti em outros humanos, talvez tivesse tentando ser igual aos outros, mas não. 

    ao aprimorar a capacidade de ver mesmo dentro do abismo, negro e claro, aprendi que ninguém, humano, merece a gentileza que tive e acabei por matar. as lágrimas alheias nada me dizem. os risos e gargalhadas que observo nos outros são maioritariamente fabricados e mentirosos. vivo no meio de monstros que não sabem, nem nunca saberão, a dimensão das suas próprias sombras. com o passar dos dias, a vontade de desaparecer cresce juntamente com os sintomas, físicos. não consigo ver-me em ninguém e por muito que tente entender e compreender o que os outros sentem já não consigo. 

    espero que morra antes que a minha insanidade chegue ao seu pináculo, pois sei que apenas na perda do meu controle farei alguém sofrer pelos meus problemas. a solução que encontrei para não sofrer não foi tanto uma solução mas sim um evitar. a incapacidade que tive de encarrar e lutar os meus demónios advém da autoestima que tinha ou a mesma que nunca tive. as minhas pernas pesão tanto que até um simples caminhar pela rua se tornou tortura. então, desisti e continuo a desistir até que a minha cobardia me mate.

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