quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Sou um fracasso,

Não consigo ter utilidade,

A desutilidade que sinto como amante,

É a mesma que sinto quando sou filho dos meus pais,

Quando não o sou, sou somente mais um desses,

Que derivam sem propósito,

Que amam sem limite.

 

Sou estranho,

Não consigo encontrar razão para ser,

Encontro, porventura, várias razões para não o ser,

O que me prende ao mundo dos vivos,

permanece um mistério para todos, menos para mim…

 

Procuro o cheiro característico do cabelo de quem me beijou a alma,

De quem continua dona do meu pensamento,

Embora procure, só encontro o cheiro típico da morte,

O enxofre é tudo aquilo que temo,

Temer é natural, já o pavor que sinto, quando estou só, não.

 

Hoje fui derrotado pelos meus medos,

Ranjo os dentes como quem não quer ter dentes,

Roo as unhas, as peles e o que se encontra por debaixo dela.

 

Não sei quem sou ou o que sou,

Talvez seja um morto vivo,

Talvez seja um vivo já morto,

Quem sabe de verdade,

Onde se encontra a linha que separa,

O que é e o que foi.

 

Não nasci para ser governador,

Nem para ser líder,

Nasci para ser escritor,

Sei que quando morrer, morrerei com uma caneta ao lado,

Pois de todos os amores que tive,

A caneta foi a única que não me falhou.

Sinceramente, quem falhou fui eu,

Quando não a peguei e anotei,

Sentimentos e pensamentos quase geniais,

Oh, pudesse eu lembrar-me do que poderia ter escrito,

Com a mesma caneta que escrevo desde criança.

 

Uso o meu sangue como tinta,

O meu sangue preenche a caneta,

A caneta não me rejeita,

Pelo contrário, agradece-me.

 

Perdi-me algures,

Antes de ter dado conta, já dormia no chão da rua,

Livre, mas sem nada,

Para além de mim e desta caneta, que é só minha.

 

Passei a escrever em paredes,

Em pedras de calçada,

Até mesmo no meu próprio corpo.

 

Sempre que penso na pessoa que ainda me tem,

As ganas de viver surgem,

Ao pensar mais fundo, lembro-me de que essa pessoa já não existe,

E as ganas de viver voltam a sumir,

Ela foi tudo aquilo que sempre quis, mas que nunca soube que tive,

Talvez, só talvez, os cigarros matem as nossas recordações,

Ou, talvez, só talvez, estes cigarros me matem a mim primeiro.

 

Permaneço a ser um fracassado,

Afundo-me no nada que sou,

Desapareço.

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