quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

como o batimento cardíaco monótono e enfraquecido, também aguardava o término da viagem de comboio. sempre acreditei que, quando encarasse a morte, o fizesse de braços abertos, de forma voluntária e sem arrependimentos, no entanto, quando senti que ia morrer, veio-me à cabeça a minha mãe. quase como num filme, imagens do seu rosto atravessaram o meu pensamento e soube exatamente o que significaria o término antecipado e amargo da minha vida. 

não me faltam motivos para baixar os braços. os socos já não doem e o vento já não corta. a sujidade mundana e rudimentar faz, agora, parte da minha essência. durante a tempestade, já não tempo lutar contra a corrente e aceito a ausência de ar nos meus pulmões. Gostava de afundar no mar, mas já estou tão submerso no lodo que por muito mais que tente afundar é me impossível.

vejo uma porta. abro-a. atravesso fogo, queimo a sola dos meus pés cansados. sei onde estou. no meio de tantos pecados, destaca-se aquele que carrego de forma exuberante. todos pecam. essa é a verdade. uns pecam mais que outros. o meu maior fracasso foi ter deixado para trás a pessoa mais humana que conheci.

mãe. querida e amada mãe. não te pedirei perdão, mas sabe que me arrependo de te ter causado sofrimento imaginável. deste-me vida. mantiveste-me vivo e ainda me deste razões para cá ficar. por vezes, questiono-me se te mereço e questiono o motivo do teu amor incondicional. quando me olhas com esses olhos belos, o que vês? gostava de ser mais como tu. quando me vejo ao espelho vejo-o a ele. sinto que aos poucos o meu maior pesadelo se está a concretizar. não sei o que fazer e isso assusta-me



Sem comentários:

Enviar um comentário