as páginas brancas são como um desafio para mim,
não encontro razão para algo existir sem uma pincelada de preto,
uma pitada de amargo ou um cheiro menos agradável.
se nada tem um propósito,
tudo tem razão para ser,
pois basta ser-se quem se é,
para algo ser motivo válido.
nunca fugi da dor, mas também nunca a procurei,
curiosamente, ela sempre me achou.
independentemente de me sentir apto,
mesmo não estando preparado,
a vida pregou-me rasteiras.
naturalmente, caí,
fui descendo por aí,
rebolei sobre lama,
bati no fundo,
até que um dia me encontrei.
encontrei um rapaz perdido no mundo,
alguém não muito doce, mas também não muito amargo.
achei um homem que homem nunca tinha sido,
um amigo que nunca tinha sentido,
um filho que não haveria rastejado o suficiente,
e um parceiro que nunca havia amado.
descobri o que não era,
mas o que era, isso não tinha achado.
aperto o peito para sentir esta coisa que bate dentro de mim,
esta coisa que não me deixa dormir.
não durmo pois ainda não fiz o suficiente,
mesmo quando o faço, sinto que não o fiz,
e se o que sinto não é compatível com o real,
sou insano para além de inútil.
o mesmo sonho surge sucessivamente,
independentemente de estar acordado,
vejo o sangue escorrer-me pelos pulsos,
vejo uma mãe a correr em desespero.
embora tente mexer-me, não consigo,
até manter-me consciente parece impossível,
o tempo anda, corre e some,
e, eu, vou-me perdendo no meio das linhas temporais de seda.
a vida é merda,
por isso dorme,
dorme pois a vida é nada,
dorme pois a vida é ausência.
o conceito "morte" trás-me esperança que um dia possa descansar,
e que, após o meu último suspiro, possa descansar para sempre.
mesmo ansiando por esse dia, não o procurarei pois não sou cobarde,
ou insensível o suficiente para com os outros.
talvez esta obsessão sádica pela morte seja justificável,
ou, talvez, tente justifica-la para satisfazer a minha consciência.
sou verme e parasita,
sou cigarro em bocas infantes.
tudo o que toco quebra,
por isso toco o meu coração todos os dias,
na esperança de o quebrar também,
mas, como posso eu quebrar algo que nunca existiu,
algo que nunca nasceu ou sentiu?
se a esperança é a ultima a morrer,
o que é que faço aqui ainda?
nesta noite, em que tusso e choro,
preciso de um abraço sentido,
mas, mais uma vez,
enquanto o mundo dorme,
eu sofro só.